domingo, 27 de agosto de 2017

SONETOS DE UM OCTOGENÁRIO

SONETOS DE UM OCTOGENÁRIO   Raymundo de Salles Brasil





Uma noite, eu me lembro, era verão,
E a lua era bonita como quê,
E nós a contemplávamos então,
Ambos bobos de amor, eu e você.

Tem muito tempo, mas não foi em vão,
Aquela cena, como você vê,
Ficou gravada no meu coração,
E nos meus olhos hoje ainda se lê.

Sem a força talvez daquele instante,
Sem a chama febril de um moço amante,
Mas de um velho que ainda o amor cultua,

E que fica morrendo de saudade,
Ao recordar a sua mocidade
Toda vez que se vê diante da lua.



Na calada da noite um verso eu fiz,
Tal se de quatro cordas fosse a prima,
Não me importava o tema, apenas quis
Mostrar à noite escura a grande estima

Que nutre pela trova este aprendiz.
Travou-se no momento certo clima,
Ficaram tête-à-tête, vis-à-vis,
Da noite – a escuridão, do verso – a rima.

No vértice da terra o sol nasceu,
E a trova ficou pronta, ficou linda,
Do pouco que me lembro dela ainda,

Pois arribou tão logo amanheceu.
Se uma andorinha boa a achar, prometo,
Dar-lhe, por gratidão, este soneto.



Depois de pronta, Deus derramou tintas,
Sobre a face da terra, de mil cores,
Para que eu sinta e que também tu sintas
Seu grande amor olhando os beija-flores.

Eu vou falar e peço que consintas,
Amados meus, senhoras e senhores,
De mãos hábeis e mentes tão distintas,
Artistas do pincel, nobres pintores:

Não fora o amor de Deus por nós humanos,
Capazes de enxergar muitos matizes,
Teriam graça os céus e os oceanos?

E, beleza, a floresta e os seus cantores,
Sabiás, curiós, canários e perdizes,
Se não lhes desse Deus, tão belas cores?


A ROUPAGEM DO VERSO

A música do verso é que me embala,
O trinado do verso é que me atrai,
A mensagem – semente – ela me fala,
E como em terra fértil ela me cai.

Quando nos dedos eu confiro a escala,
Para ver o meu verso com vai,
Se de trapos vestido, ou se de gala...
Porque, de qualquer jeito, ele não sai.

Deixo-o de molho, se tiver mensagem,
Esperando que chegue uma roupagem,
Para vesti-lo condizentemente.

Não vou deixar meu verso por aí,
Mendigando leitura aqui e ali,
Como se fosse um simples indigente.
19/01/2013


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