domingo, 19 de dezembro de 2010

MENINA

Musicado por Marcos de Salles Brasil

Morena, tu queres
Ser magra, franzina
Como essas mulheres
E muitas meninas
Escravas da moda?
Tu queres morena
Perder teu corpinho
Tão belo? Que pena!
Deixá-lo igualzinho
Ao corpo da roda


Que pensa que a bela
Menina-beleza
Só existe naquela
Menina-magreza?
E esquece do charme
Dengoso, felino,
Formoso e perfeito
De um corpo menino
Redondo, bem feito,
Moldado na carne?


Te lembres menina
Que deves cuidar
Da alma que anima
Teu corpo, e zelar
Com muito mister.
Pois a alma, morena,
É que faz da menina,
Seja grande ou pequena
Seja gorda ou franzina,
Uma linda mulher.

quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

NO RESTAURANTE DE TIJOLINHO

Os três Mesquitas são os condutores
De um papo inteligente, sóbrio e ameno:
Pamí, fala do extinto ganso, obsceno,
E Clovis fala dos agricultores;

O Flamarion, amante do sereno,
Cria e recria estórias e atores,
E Zé Roberto goza dos sabores
De um prato predileto – bom e pleno.

Geraldo Salles ergue a voz e conta
Um fato novo, e o faz temático;
O Virgílio contesta sistemático.

E eu que ouvinte sou, de boa monta,
Escuto a discussão acalorada
Enquanto desce fria a madrugada.

UMA FOLHA RENDADA

                            Ao agrônomo Clovis Nery de Mesquita 

Passando as páginas de um livro antigo,
Que me chegara às mãos como oferenda,
Uma folha encontrei, já feita em renda,
E que classificá-la não consigo.

Não sou uma pessoa que entenda
De plantas e de folhas; desse artigo,
Nada percebo e quase nada digo
Com medo que depois eu me arrependa.

Necessária se faz a douta vista,
Para classificar-lhe a espécie e a idade,
De um competente e probo especialista.

E para dissecar a folha dita
Devo solicitar a idoneidade
De nosso amigo Clovis de Mesquita.

domingo, 5 de dezembro de 2010

MOMENTO DE ORAÇÃO

ROMANOS 7:15
Pois o que faço, não o entendo; porque o que quero, isso não pratico; mas o que aborreço, isso faço.


Oh Deus! Oh poderoso Deus dos Universos!
Oh Deus! Oh majestoso Deus do firmamento!
Oh Deus do mar, oh Deus da terra e dos meus versos!
Enche-me o coração de luz, sopra-me o vento


Da santa inspiração no embrião do pensamento,
E dá-me versos de louvor, em luz imersos,
Que a ti, somente, louvem, Pai, neste momento
E nos outros momentos – todos: bons e adversos.


Quero que em cada gesto meu vejam-te. Sim,
Que eu não mais viva, mas que Cristo viva em mim,
Que os meus passos persigam, passo a passo, os seus.


Tudo, entretanto, que eu não quero, isso é que faço...
Recompõe-me, Senhor, pedaço por pedaço,
Porque sem as tuas mãos eu não consigo, Oh Deus!





REGRESSO A SANTO AMARO

Nesta terra bendita eu fui gerado,
Neste amado torrão cresci fagueiro
Olhando o Subaé serpenteado
E as chamas crepitantes dos palheiros;

Neste chão fértil, preto, açucareiro,
Da cor do braço forte escravizado,
Que tem legado ilustres brasileiros,
Também muitos heróis assinalados.

Como a ave que arriba e as asas solta,
E o precioso alimento vai buscar
Noutro lugar, eu fui buscar o pão;

E como o filho pródigo que volta,
Volto ansioso a correr pra lhe abraçar
E – humildemente – vou beijar-lhe o chão.


sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

A MINHA CAMINHADA

Aos meus filhos



Meus caminhos não foram dos piores,

Mas tive que enfrentar muitas barreiras,

Pelas beiradas vi nascerem flores,

Das minhas caminhadas, as herdeiras.



Elas foram pintando de mil cores,

As ásperas jornadas nas pedreiras,

Fizeram-me chegar, esses amores,

Onde cheguei e sem deixar esteiras.



Hoje cantando hosanas, dando glórias,

Devo-as a Deus somente, essas vitórias,

E as flores que nasceram no caminho.



As vezes que chorei, não choraria

Se eu antevisse a paz que hoje em dia

Reina em meu coração. Ah, se adivinho!

domingo, 14 de novembro de 2010

UM CANTO PARA NÓS DOIS

Eu continuo lhe amando como outrora,
Como nos velhos tempos calorosos
De nossa vida a dois, vida que agora,
Depois de que ficamos mais idosos,

Há de nos dar anelos afetuosos
Todos os dias, pela vida afora,
Que nos aquecerão nos invernosos
Dias do amor platônico que aflora.                   

Se a carne nos faltar com os seus desejos,
Não nos falte o carinho de nossos beijos,
Nem nossa vida a dois com o nosso afeto.

Que o cavalheiro aqui e a sua dama
Vivam felizes sobre a mesma cama,
À mesma mesa e sob o mesmo teto.


domingo, 7 de novembro de 2010

DEVANEIO

Eu estive nas nuvens por alguns instantes...
Vaguei por entre as mais belíssimas quimeras...
Cheguei a ver de perto as luzes mais brilhantes
E, o perfume senti, de muitas primaveras.

O sonho transportou-me a páramos distantes,
Impossíveis lugares, fictícias eras,
Um privilégio só dos loucos delirantes
Como este que se deu todo a sonhar, deveras.

Sonhar é ver adiante a luz que não existe,
Luz que se apaga e deixa o sonhador tão triste!...
Quem ama sonha, o poeta sonha, sonha o louco.

Devia até ter razão Vinícius quando disse:
(O que aos olhos normais parece maluquice)
“Eterno enquanto dura”! – e como dura pouco!...

FRUTO DO PECADO

De um barro imaculado, virgem e puro,
Foi concebido o homem – sem pecado;
Um projeto de Deus feito com apuro,
E, à Sua semelhança, modelado.

De que o fizera bem ficou seguro,
Tanto até que achou bom o ser criado,
Dera-lhe plena vida o sopro puro,
Livre o fizera, tanto quanto amado.

No entanto entre milhares de centenas,
Uma árvore só – um fruto apenas –,
Para implantar limites, escolheu.

–E disse Deus: do fruto separado
Não comereis – é o fruto do pecado!...
Mas o diabo insistiu e ele o comeu.    

sábado, 30 de outubro de 2010

QUE PALAVRA!

A palavra de Deus, o povo fala,
E com sabedoria, tem poder.
Diante dela qualquer outra se cala,
Por mais erudição que possa ter.

No tempo imensurável – nessa escala –
É o livro mais antigo de se ler,
E mesmo assim se encontra em toda sala,
Penetra o coração e muda o ser.

Palavra sempre nova, nova em folha,
Que pousa em nossas almas como bolha
E deixa lá o Espírito da Luz.

É uma prova inconteste que é de Deus,
Foi lá que eu descobri que os meus, que os seus
Pecados são perdoados por Jesus.

1/10/2010

segunda-feira, 25 de outubro de 2010

RATIFICANDO

Em confissão de amor, um dia eu disse,
Deslumbrado com tanta formosura:
Eu hei de amar-te até a minha velhice
E hei de achar-te sempre linda e pura.

O tempo se passou sem que eu sentisse,
E foi deixando, em mim, marcas sem cura;
Mas qual pomo te fez, pra que eu te visse
Muito mais linda, quanto mais madura.

Se o sol da minha vida, quase posto,
Fez marcas indeléveis no meu rosto,
Não se atreveu tocar no coração:

Pois ele continua como outrora,
Tão completo de amor quanto na hora
Em que te fiz aquela confissão.

LEMBRANÇAS

Quando nós éramos moços,
Encontramos num caminho
Um jasmineiro coberto
De flores, da cor do linho.

Eu colhia aquelas flores
E ornamentava o teu rosto;
Tu me olhavas e sorrias,
Eu te olhava e com que gosto!...

Aquele arbusto inocente
Cravou no meu peito ardente
Bem profundas suas raízes,

Pois muitos anos passaram,
Mas as lembranças ficaram
Indeléveis e felizes.

PORTEIRA VERDE

No sítio onde eu moro
A vida se encerra:
Tem cheiro de mato,
Tem cheiro de sol,
A chuva caindo,
Tem cheiro de terra,
Sementes se abrindo
Ao quente arrebol...


Eu sinto o sabor
Gostoso do ar
Que traz o odor
Suave das flores...
Eu ouço um coral
De aves entoar,
Ao Deus Criador,
Canções e louvores.


Aqui neste chão
Eu sinto que moro
Na palma da mão
Do Deus Poderoso,
Que eu amo e confio
Que temo e que adoro
E grato anuncio
O meu pleno gozo.

terça-feira, 19 de outubro de 2010

REFLEXÃO

Mateus 7:3 E por que vês o argueiro no olho do teu irmão, e não reparas na trave que está no teu olho?



   Pensando na minha vida, nos meus erros, nas minhas falhas, no meu cotidiano, é que me veio a necessidade de uma reflexão. De uma reflexão mais profunda, de uma análise menos superficial, de uma crítica mais rigorosa, mais severa, das minhas próprias ações; Entretanto, sabendo que todos os homens são iguais, e é a bíblia que nos diz, claramente, que todos pecaram, e que o que faz a diferença é Jesus, ocorreu-me que esta reflexão, feita sobre mim, pudesse servir a Gregos e Troianos, isto é, a crentes e descrentes. Para todos nós, autor e leitores, neste momento: para uns uma espécie de alerta, para que tenhamos cuidados especiais com as nossas palavras, com os nossos gestos, com os nossos atos, para não ferirmos Jesus, sem o qual, nada podemos fazer; para outros, uma sugestão: que aceitem a Jesus, pois só Jesus é capaz de transformar a nossa vida, só Jesus é capaz de transformar o homem, só Jesus pode dar capacidade ao homem de amar, de perdoar, de mudar; só Jesus pode nos dar a vida em abundância e mais ainda, eterna. Jesus é a única esperança.

   Vamos falar, portanto, um pouco de nós mesmos; de nosso cotidiano, de nossa vida: que coisas nós fazemos, como as fazemos, que cuidados tomamos para não magoar o nosso Deus, esse Deus maravilhoso que nós professamos para não envergonhar Jesus que caminha conosco, para não entristecer o Espírito Santo que habita dentro de nosso coração.

   Todos nós nos preocupamos, se bem pensarmos, se bem refletirmos, com a vida de nosso próximo, não como nos ensina a Palavra: amando-o como a nós mesmos, (Mar. 12:31) mas, sim, olhando-lhe os defeitos, esquecendo-lhe as virtudes, descobrindo-lhe os erros e ignorando-lhe os acertos, constatando-lhe os desvios, sem incentivar-lhe o esforço para caminhar na trilha certa, enxergando-lhe as falhas, mas cegos ao que ele faz com perfeição, apontando-lhe as fraquezas, mas alheio ao seu potencial, pondo, e não raramente, lupa para enxergar-lhe um simples cisco nos olhos e o que é pior, às vezes nos regozijamos por isso. E eu me pergunto agora e lanço estas mesmas perguntas a tantos quantos me leem neste momento: Será que é porque nós nos achamos perfeitos? A bíblia nos diz que todos pecaram (Rom. 3:23); ou porque, assim, estaremos tentando esconder os nossos próprios erros, as nossas próprias falhas, as nossas próprias fraquezas e a trave que está plantada dentro de nossos próprios olhos?

   Será que nós amamos verdadeiramente o nosso semelhante, a quem vemos, ou será uma simples fantasia? Será que nós amamos verdadeiramente o nosso Deus a quem não vemos, ou será uma simples hipocrisia?

   Será que quando nos levantamos ao amanhecer agradecemos a Deus pela bela noite que tivemos e o sono reparador que ela nos deu? A beleza e a riqueza dos primeiros raios de sol com que ela nos entrega o dia? Será que ao levantarmo-nos saudamos alegremente com um bom dia e um eu lhe amo em nome de Jesus, os nossos familiares e serviçais? Será que chegada a noite, depois do nosso dia de luta, de trabalho, de nossa faina diária, na hora de dormir, cansados já, lembramo-nos de fazer um rigoroso retrospecto de nosso dia? Onde erramos, onde falhamos? Aquele gesto indelicado que fizemos, aquela palavra dura que dissemos, aquela frase ferina, aquele dito injusto. Será que estamos dispostos a pedir perdão? Será que os nossos passos por onde quer que tenham caminhado, caminharam com dignidade e respeito, com decência e pudor? Será que pudemos levar Jesus, por onde quer que tenhamos caminhado? Será que tivemos um sorriso alegre e sincero para as pessoas que nos cercam: em casa, no trabalho, na escola, nas ruas? Será que viramos as costas aos que necessitaram de ajuda? Será que os nossos olhos não olharam alguma vez com cobiça ou inveja? Será que não dissemos alguma palavra maledicente, torpe, vil, imoral? Será que, de joelhos, pedimos perdão a Deus e até choramos?

segunda-feira, 18 de outubro de 2010

NO TEMPO DO MOTRIZ



            Li um artigo de Vitor Hugo Soares publicado em A Tarde de 14/01/05 – “Da janela do Motriz” – e fiquei encantado. É um elogio à letra de Caetano Velloso da música Motriz interpretada magistralmente por Maria Bethânia. O artigo levou-me a ler com mais apuro a letra do nosso poeta e pude perceber que Caetano diz muito mais nas entrelinhas do que propriamente nas linhas dando-me até a impressão de que ele usa as linhas apenas para mostrar as entrelinhas. Fiquei mais uma vez encantado com a beleza das linhas e com a poesia das entrelinhas. Falou-me à alma. Fiz uma viagem no tempo aos idos de mil novecentos e cinquenta e deparei-me indo esperar o Motriz, na Estação da Praça 14 de Junho. Que bom! Que bela viagem! Arre! Estou ficando saudosista demais e não sei se isso é bom. Mas que posso fazer? Se aqui e acolá vem um Vitor Hugo que nem é santo-amarense ou um Caetano Velloso que o é até a alma e me leva a pensar no passado, a viver o passado, a sorver o passado, saborear o passado, a deglutir o passado. E eu termino não achando graça nenhuma no presente, e a realidade não é bem assim. Eu amo o presente e ainda tenho muitos sonhos para o nosso futuro, para o futuro de minha Terra. Sonho com a minha cidade pacata e ordeira, como no tempo do Motriz; sonho com os nossos prédios coloniais recuperados, como no tempo do Motriz, sonho com a nossa Rua Direita trafegando um bondinho puxado a burros para alegria da gurizada e dos turistas, como no tempo do Motriz, sonho com dois coretos na Praça da Purificação exibindo duas filarmônicas, como no tempo do Motriz; sonho com uma cidade limpa, como no tempo do Motriz; sonho com as nossas calçadas responsavelmente cuidadas, permitindo-nos andar sem receios de uma topada, como no tempo do Motriz; sonho com um mercado decente e uma feira-livre organizada e limpa, como no tempo do Motriz; sonho com os nossos jardins gramados e floridos, como no tempo do Motriz; sonho com o Rio Subaé navegável e piscoso, como no tempo do Motriz, e com suas margens arborizadas e iluminadas; sonho com o Largo da Cruz, com o Jardim dos Casados, com a Praça Menina de Toninho Mesquita que não faziam mal a ninguém; sonho com o Apolo e seus bailes de gala; sonho com a Praça da Purificação engalanada para receber em suas passarelas um desfile de moda e de beleza na tradicional festa de fevereiro, como no tempo do Motriz; sonho com a Estação da Leste viva, como no tempo do Motriz. Sonho minha cidade como era no tempo do Motriz e morro de saudade.

quinta-feira, 14 de outubro de 2010

OS SEGREGADOS

Por que viveis, meninas, pelas ruas,
Quais mariposas abanando as asas,
Expondo às feras vossas formas nuas
Se devíeis estar em vossas casas?

E por que vós estais pelas cafuas
Meninos das ralés e dessas vasas
Que vos mostram da vida as faces cruas,
Da morte – o fogo, as crepitantes brasas?

Por que, se vós devíeis, nas escolas,
Estar buscando do saber a glória,
Contentam-vos apenas as esmolas?

– É que quando fizeram-se as partilhas
Nada sobrou pra nós pobres da escória,
Ficou tudo entre os membros das quadrilhas...

quarta-feira, 13 de outubro de 2010

NÃO É PRA SENTIR SAUDADE?

   Acordei hoje, eram 5 horas da manhã, mas ainda embalado por um desses sonhos gostosos, tão gostosos que a gente nem abre os olhos, pedindo para não acordar e, quem sabe, continuar sonhando. Mas aí não tem mais jeito, o sonho já foi embora (que pena!) e a gente se levanta para a realidade, às vezes dura, do agora, do presente, do cotidiano.
   Eu era entre adolescente e jovem e morava na casa número 14 da Praça da Purificação, em Santo Amaro, onde passei parte da minha adolescência e toda minha mocidade, enquanto solteiro. Morava com meu pai e minha madrasta, D. Dete, ambos de saudosa memória. Aquele lugar foi o cenário do meu sonho neste finzinho de madrugada.
   O passeio lá de nossa casa era a sala de estar, onde se reuniam os amigos e os irmãos de meu pai, para maravilhosos bate-papos, mormente nas épocas de festa quando estavam presentes alguns que moravam em Salvador e religiosamente visitavam Santo Amaro nessas épocas.
   Para mim aquelas reuniões eram o melhor da festa. Meu pai era um homem inteligente, bem informado, um excelente epigramista, amante da palavra escrita e falada, atraía para sua porta a nossa elite intelectual. Para mim verdadeiros monstros sagrados.
   Se eu, que até hoje sou mais de ouvir do que de falar, freqüentador assíduo daquelas reuniões, eu era somente ouvidos, mas encantados. Eu era um componente da platéia e eles os meus atores prediletos:
Juca Salles, (José Gabriel de Salles Brasil) um ator genial, fazia rir e chorar, ora representando as suas personagens cômicas, ora contando os episódios dramáticos de São Bento do Inhatá, e da Vila de São Francisco, todos criados ou recriados por ele. Com seu jeitão descuidado de ser, cabelos por cortar, barba por fazer, e aquele corpo franzino, andando como quem pisa em ovos em virtude dos muitos calos que tinha nos pés, ele usava a sua voz de baixo profundo, os seus gestos, e as suas mãos esguias para nos fazer chorar de rir;
   Professor Raimundo Salles, (Raimundo Nonato de Salles Brasil) o lirismo à flor da pele, sua poesia era de rara beleza, estava sempre a nos encantar com os seus versos, as suas trovas, os seus repentes, era um poeta de alma pura. Raimundo tem uma alma de arminho – diziam.
João Moniz Barreto de Aragão, outro grande poeta, (Santo Amaro é incrível!) o orador, mas, sobretudo o poeta, o declamador. Ainda o recordo e me deleito, ouvindo-o recitar Arthur de Salles em Subumbra, Praia em Festa, Ocaso no mar, amaciando a sua voz e dando mais colorido aos versos, como se, possível fosse, dar mais colorido aos versos do velho Arthur.
   Souza Castro, (Antônio Benedito de Souza Castro) comedido, falava baixinho, mas todos nós tínhamos ouvidos atentos porque não queríamos perder uma só palavra do que ele dizia. Brilhante, o velho Souza Castro, o talento dele não se media pelos discursos, mas por uma palavra, um dito, uma frase. Um grande amigo, eu o amava como se fosse meu tio.
   Nestor e Aloísio Oliveira, dois irmãos de talento fulgurante, dois poetas, se o primeiro brilhava com a palavra escrita, o outro era formidável no discurso improvisado, palavra fácil, fluente e bela.
   Participavam daquelas tertúlias, uns, de forma mais assídua, outros esporadicamente, meu tio Adaucto, quando de férias, trazendo o seu entusiasmo, a sua maneira inteligente e simpática de ser e de dizer as coisas; o Pe.Salles Brasil, esquecia um pouco o papa e, espirituoso que era, deixava escapar a sua verve, o seu talento, a sua cultura, enriquecendo os nossos informais bate-papos; Adroaldo Ribeiro Costa, um artista, usava como poucos a palavra, a voz e as mãos. Passaram por aquela assembléia, Eliezer e Heráclio Salles, o Maestro Agenor Gomes e tantos e tantos outros dessa mesma estirpe. Até o poeta Eurícledes Formiga, a quinta memória do mundo, e repentista fantástico, que passou por aqui esbanjando talento, participou das nossas reuniões na porta da casa de meu pai.
   O Professor Édio Souza, ainda bem jovem, freqüentava com assiduidade os nossos saraus e já deixava brilhar o seu talento. Ele não me deixa mentir.
   Quando eu acordei hoje às 5 da manhã eu estava sonhando, exatamente, com uma dessas reuniões.
   Não é para sentir saudade?





domingo, 10 de outubro de 2010

INDELÉVEL SAUDADE

   Enigmático, inteligente, simpático. Tinha tiradas espirituosas que faziam os outros rirem, embora ele nunca desse uma gargalhada, apenas esboçava um sorriso contido de quem tinha receio de mostrar-se feliz. Era uma pessoa querida, todos gostavam ou tinham pena dele. Não teve sonhos, e se os teve faltou- lhe coragem para persegui-los, as oportunidades se lhe passavam e ele as assistia como mero espectador; contentava-se com o que tinha, e não tinha quase nada. Afogava as suas angústias, por longos períodos, no álcool, entremeando-os com leituras pessimistas de autores pessimistas, como a querer, com eles, identificar-se. A dor e o sofrimento lhe acompanharam a vida toda. Nada lhe dava prazer, alegria, gozo. Não havia motivos aparentes para tanta desdita, era coisa da alma, da psique. Ora fugia das pessoas que lhe amavam, ora as procurava, como se tivesse fugindo de si mesmo, ou procurando-se a si mesmo. Não via o mundo como criação de Deus, não tinha Deus na alma, tinha os astros na mente e os culpava pelo seu destino. Perdeu a vontade de viver. Mostrou-se céptico até a sua última gota de vida. Esperei tanto que ele descobrisse que foi Deus quem fez os astros e quem mandou Jesus – a luz do mundo – para clarear-lhe os caminhos e mudar o seu destino. Tenho receio que tivesse morrido sem Jesus. Tomara que não. Bem, isso aí só o próprio Deus sabe. Entre a vida e a morte pode entrar, a qualquer momento, a misericórdia de Deus. “Eis que estou à porta e bato”. Abri-la ou não é decisão nossa.

quinta-feira, 7 de outubro de 2010

MINHA MISSÃO

   Eu tenho cinco filhos: Rosa, Tito, Mundinho, Marcos, a quem a mãe chama de Buti e eu chamo de Marcão, e Paulinho, nosso caçula, a quem eu chamo de Palegão e a mãe de Linho. Os criei com todo zelo, naturalmente que meu zelo não é igual ao zelo de A, B ou C, cada um tem a sua forma peculiar de zelar, mas com certeza dei tudo de mim e o fiz com a maior alegria, primeiro porque neles estavam as minhas esperanças, os meus sonhos, de fazer deles o que eu não pude ou não soube fazer de mim mesmo e, também, porque esta é a minha forma de zelar e cuidar de filhos, e com muito amor, porque sem amor eu nada teria feito como não fazem os que não têm amor, o amor é que nos dá as virtudes da renúncia e do sacrifício. Zelando e amando cometi erros, mas zelando e amando. Pelos erros peço perdão, a esta altura acho que já fui perdoado, pelos acertos dou graças a Deus. E quantos acertos!

   Quis Deus que eu, já no outono da vida, criasse Mariana, minha neta, filha de minha filha.

   Mas Deus renovou as minhas forças, redobrou a minha capacidade de renúncia e de sacrifico e eu comecei tudo de novo. Dez anos já se passaram, Mariana já está uma moça, bonita e inteligente, atributos que não foram dados por mim, naturalmente, foram dados por Deus, mas com muita dedicação e zelo, tenho acompanhado a vida de Mariana, a vida escolar, a vida moral e a vida espiritual, passo a passo, minuto a minuto e só os pais responsáveis sabem o que significa essa tarefa ingente, mas nem os pais responsáveis sabem o que significa isso para um avô, que já tem as suas forças começando a combalir. Não sei se estou sendo bom pai nessa segunda etapa, estou com mais tempo para me dedicar do que tive para os meus filhos, porque estou aposentado, mas avô não serve para pai, só serve para avô, avô não tem de reclamar, de castigar, de acompanhar, de vigiar, avô tem de agradar, de acariciar, de achar graça, de curtir os netos, as tarefas desagradáveis e chatas são tarefas dos pais, não dos avôs, até porque a chatice do pai é mais aceita do que a chatice do avô metido a pai. Contudo careceu que eu fosse pai quando devera ser avô, Deus me deu essa missão, e com a Sua força espero poder levá-la a cabo, falta pouco para que eu possa voltar a ser somente avô. Deus é bom, hoje, amanhã e sempre.



terça-feira, 5 de outubro de 2010

QUERIDA SÔNIA

Itapicuru, 12 de novembro de 1964



Novembro. Já 12 dias
São decorridos do mês,
E na minh’alma a saudade
Carpindo mais cada vez.

A distância é tão cruel
Quando separa quem ama...
Arde e queima como chama
E tem o amargo do fel.

A dor que a distância causa
É a que mais dói meu amor:
Se não mata, antes matasse
Porque matava esta dor.

Calcule só meu sofrer,
Pensando nos seus carinhos,
Na graça dos meus filhinhos,
Só pensando, mas sem ver.

Você sabe como eu sofro,
Você que sofre também...
Já viu como fere tanto
A saudade quando vem?

Mudemos de assunto agora:
Tratemos de... mas, de quê?
De você que é o que mais quero,
Tratemos só de você.

Como vão os males seus?
Está melhor de saúde?
Tenho pedido ao meu Deus
Que lhe proteja e lhe ajude.

Eu lhe conheço e bem sei,
Que você negligencia
O tomar nas horas certas
As gotas de homeopatia.

Merecendo de você
Um favor, eu vou pedi-lo:
Não se esqueça dos remédios
Do homeopata Murilo.

As gotas são milagrosas,
Tomadas regularmente,
Fazem curas prodigiosas
Nos organismos da gente.

Eu quero vê-la feliz,
Satisfeita de viver;
Sem o mal que você diz,
De ter medo de morrer.

Feliz da vida, sentindo
Que tudo são puras rosas
De bênçãos, que vão caindo
Das mãos de Deus, dadivosas.

Mudando de assunto agora,
Vamos falar de dinheiro:
Mandei por dona Etelinda
Trinta e cinco mil cruzeiros.

Recebi naquele dia
O auxílio natalidade
Você não ter me acordado,
Foi uma felicidade.

De Quequinho mande saber
Se Teté já os remeteu
E se você me escrever
Responda se recebeu.

Mando lembranças daqui,
A Aloísio e a Raquel,
E se estiver por aí,
Mando também a Ismael.

Quero notícias da escola,
Quero saber tudo, enfim:
Como foi como não foi,
Quero tin-tin por tin-tin.

Um beijo em Tito na testa,
Um beijo em Rosa nos olhos,
Um beijo no meu caçula,
Mil beijos nos meus pimpolhos.

sábado, 2 de outubro de 2010

NA FALTA DE UM LIVRO

Sem ter um novo livro para ler
E ouvindo um som tocado suavemente,
Peguei da pena e pus-me a escrever,
Sem mesmo ter a ideia ainda em mente.

Uma palavra aqui sem pretender,
Outra palavra e conseqüentemente
Fui rabiscando, e assim, sem perceber,
Já estava germinando uma semente.

A escalada é fazer, é sempre assim:
Uma pedra, um tijolo, uma palavra,
E o que nós pretendemos chega ao fim.

Cuide, entretanto, da matéria prima,
Tudo que se constrói ou o que se lavra,
Pode ruir já mesmo estando em cima.

QUE NÃO MORRAM OS SONHOS

A Rodrigo de Salles Brasil, que não quis (ou não soube, ou não pode) sorver o néctar da vida – o sonho.




A luz brilhava na estrada
Por onde – moço – passei;
Por sonhos iluminada...
E afoitamente viajei.


Na ânsia desta jornada
Muitas rampas escalei,
Espinhos de ponta afiada
Com os pés descalços pisei.


Hoje chego ao fim da estrada
Sem querer flores nem festa.
Basta-me, ao fim da caminhada,


Ver, em pequenos tamanhos,
Na pouca luz que me resta,
Ainda luzir alguns sonhos.

MEU TUGÚRIO

Aqui neste tugúrio eu me confino
Para escrever, ou ler, ou meditar.
Persigo a ideia, busco-a e me fascino,
Ou me prostro, minúsculo, a orar;


Relembro o meu passado e o meu destino
Antevejo complexo ou singular;
Ou fico cego e mudo, ou canto um hino –
Hosanas ao Senhor no seu altar.


Aqui neste meu claustro eu me desnudo,
Mostro-me a mim e a Deus me mostro. Faço
Mil votos de fugir do mal, contudo,


Vestido de cordeiro, o mal me segue...
Mas se fraquejo ou se tropeço o passo,
Jesus me pega pela mão e me ergue.

sexta-feira, 1 de outubro de 2010

UM QUADRO ANTIGO

Menina, se eu desejar
Beijar-te as mãos, tu consentes?
– Beijos podem despertar
Certos desejos latentes...

Deixe-me agora oscular
As tuas faces nitentes,
E esses teus olhos fitar
Para sondar o que sentes.

Desejo beijar-te a boca,
Será que tu deixas ? Coras?
– Tu queres deixar-me louca!...

Já dei-te as mãos... dei-te as faces...
Mas a boca que me imploras
Só daria se me amasses.

sábado, 25 de setembro de 2010

AMOR AO PRÓXIMO

Se o ser humano amasse como a si
Mesmo, o seu semelhante que está perto,
Quantas gotas de lágrimas eu vi
Lançarem-se num sáfaro deserto,


Que poderiam transformar-se ali
Em pérolas de risos entreabertos.
Quantas! Quantas pessoas eu feri
Podendo-lhes de flores ter coberto.


Enquanto o coração frígido dorme
Nós vamos praticando o mal enorme
De omitir o amor, num simples gesto...


Quando melhor pra todos nós seria
Dividir nosso pão de cada dia
Em vez de apenas dar migalha ou resto.

EMOÇÃO

A Geraldo Salles




Lembrando-te de mim quando tu leste
De Raul de Leoni “Perfeição”,
Confesso-te que a mim tu me encheste
De uma enorme saudade e de emoção.


Com a maneira gentil como se veste
Tudo aquilo que vem da tua mão,
Com os versos de Raul tu o fizeste,
Lembrou-me de Layrton– amigo-irmão.


À tona ressurgiu a minha infância...
Trouxeste-me, pra perto, uma distância
Que somente a saudade faz trazer.


Meu coração se encheu de mil lembranças...
Bem lá dos nossos tempos de crianças
E misturou saudade com prazer.

A RAINHA DO LAR

Curvo-me a Deus de joelhos, porque tenho
Sob os cuidados meus uma rainha,
Que se entrega com todo desempenho
Aos misteres da casa e da cozinha.


Nas horas vagas vão, com arte e engenho,
Suas belas mãos, com pano, agulha e linha,
Formando a cada ponto algum desenho,
E costurando a sua vida à minha.


É lindo vê-la lendo as escrituras,
Ministrando aos seus filhos, com ternuras,
A palavra de Deus – viva e gloriosa.


A dádiva de Deus mais excelente!..
Dentre tantas mulheres, uma crente,
Exemplo vivo de mulher virtuosa.

DIAS AZIAGOS

Tem dias como hoje, a gente acorda ruim,
Carpindo uma saudade sem saber de que...
E fica tudo triste e a gente fica assim,
Todo sem graça - até que todo mundo vê.

– Você está macambúzio... o que é que tem você?
Pergunta-me a esposa que não sabe enfim,
Que até mesmo eu não sei, nem vou saber porquê;
Só sei que uma saudade enorme eu sinto em mim.

– Deve ser isso... aquilo... ela vai perscrutando...
O seu olhar de lince vai me penetrando...
Finalmente conclui, depois que muito insiste:

Mas isso passa logo, você logo esquece...
E ela acaba falando como se soubesse
Porque tanta saudade, porque estou tão triste.

domingo, 19 de setembro de 2010

FRUSTRAÇÃO

Às vezes eu me quedo em profundo cismar...
Todo meu corpo dorme em prostração letal...
Meu pensamento apenas flui – a meditar...
Buscando compreender melhor o bem e o mal.


Fugindo da mordaz tendência de julgar,
Essa pecha infeliz que faz a cada qual
Julgar-se superior para descriminar,
E vaidoso sentir-se o ser humano ideal,


Eu vejo em cada olhar e em cada gesto lhano
Semelhança de Deus – e nesse estado insano
Eu vejo em cada ser humano a perfeição.


E de guardas abertas para a falsidade
Tarde demais desperto para a vil maldade,
Que o homem traz, também, demais no coração.

RECÍPROCA

Ao poeta Antônio Mesquita, em agradecimento à gentileza dos seus versos – frutos de uma velha amizade.



Quem a coroa real usou um dia,
Quem o cetro empunhou da realeza,
Não perderá jamais a fidalguia,
Será chamado sempre Vossa Alteza.

Quem ao talho imprimiu tanta leveza,
E fez de cada verso u’a melodia,
Chegando a ver nos pobres meus, beleza,
Tem nas mãos o condão e a magia.

Eu faço votos que essa pré-estréia
Tenha a intenção e a primorosa ideia
De, toda a face revelar, do artista.

Vamos dizer que seja este o momento
De você revelar com o seu talento,
Todo o estro de um velho sonetista.

SONETO PARA RAYMUNDO SALLES

Faz algum tempo já, amigo-irmão,
Que tento te fazer um bom soneto
Que sairá, por certo, eu te prometo,
Com as rimas mais fiéis do coração.


Confesso que “perdi a embocadura”
No trato com a tal composição,
Eu que outrora dela lancei mão
E que não fiz, assim, tão má figura.


Há dias, meu exímio sonetista,
Quero louvar o teu grande talento
E tua alma gentil de belo artista


Do verso, cantador de bens e males,
E proclamar, num arrebatamento:
Bom mesmo de soneto é o Velho Salles.


Antônio Mesquita

A LÁGRIMA DE DEUS

Como se fosse a lágrima pingente,
Que rolasse dos olhos marejados
De Deus, a estrela pálida cadente
Que eu vi descer dos céus iluminados,


Fez-me pensar na dor de um Deus clemente,
Que viu, na cruz, os membros lacerados
Do filho amado, único e inocente,
Para salvar os homens dos pecados.


E hoje, depois de quase dois mil anos
De tanta espera e tantos desenganos
Fica Deus ainda mais cheio de mágoa;


Contemplando o seu mundo com tristeza,
Vê nas ações dos homens a vileza,
E fica, então, com os olhos rasos d’água.

VIRTUDES

Na negra noite – o brilho das estrelas...
Na espessa mata escura – os vaga-lumes...
No tenebroso mar – navegam velas
E brincam lindos peixes aos cardumes.


Nascem flores do lodo – adoro vê-las!
Dentre os espinhos, exalam mil perfumes
As rosas cândidas, e ali entre elas,
Balança um ninho com pássaros implumes.


É a natureza, muito sábia, lendo
A virtude no mau, o belo no horrendo,
Para mostrar-nos quanto o orgulho é vão.


Na impureza de um homem da ralé
Viu Jesus a brilhar a luz da fé
E levou para o céu o bom ladrão.

QUANDO TUDO SÃO FLORES

O sol já se espreguiça entre um e outro bocejo;

A noite no horizonte colhe os cobertores;
O sono me fugiu... levanto, saio e vejo
No quadro da manhã, os primeiros albores.


Dos pássaros contemplo as primícias do adejo,
Da pequenina abelha, o sugar dos sabores.
Que esplendoroso e belo dia eu antevejo!
Que lindos raios suaves despertando as cores!


Da relva mais rasteira, à mata virgem, tudo
Se descobre do manto negro de veludo
Para mostrar da cor todos os esplendores.


É assim também quem ama – a alma se ilumina!
Basta nascer o amor – que deslumbra e fascina –
Para que tudo em volta, tudo, sejam flores.

UTOPIA

Assim como se planta árvore frutífera,
Eu queria plantar um pé de poesia,
Tão resistente à arma bélica e mortífera,
Que crescesse robusto e frutos desse um dia.


Cuja semente pura fosse tão prolífera
Que pudesse arrancar a ira e a felonia
D’alma e torná-la então tão bela quanto aurífera,
Inundando-a de versos e de melodia.


Mas que fosse de amor e paz todo meu verso,
Isento da mordaz perfídia e do satírico,
Que fosse cristalino e puro e “régio e terso...”


Que em lugar de sanções, de ódios e de guerra,
O meu verso de paz e amor – sonoro e lírico –
Ouvisse-se cantar pelos cantos da Terra.

quarta-feira, 15 de setembro de 2010

O IMPIO

Para o seu semelhante, frio ele arquiteta
Os mais sofisticados planos maquiavélicos;
Esquece o coração, forja, maquina e injeta
Suas fórmulas letais e seus projetos bélicos.


E assim formam-se as guerras e os conflitos, meta
Traçada por satã e pelos seus prosélitos.
Em nome do amor – mata e a paz de Deus – objeta.
E crucifica e fere o Deus dos evangélicos.


Nessa caminhada, assim satânica e perversa,
Às pegadas de Deus , conscientemente adversa
Ele ignora o Bom e o bem, julga-se eterno...


E com toda essa empáfia vai se chafurdando:
Primeiro pela lama impura vai passando,
Até se deparar com o mais profundo inferno

TRICÓTOMO

Vimos perto da estrada / o inusitado / par –
A flor e um pedregulho, / ambos contritos, / sós.
Ele – a feição cansada / e enfadado / ar;
Ela – cheia de orgulho / e os olhos fitos.../ Nós


Vimos o som marulho / e o ondulado / arfar
Da brisa bafejada... / sons e ritos, / voz
Das matas – o barulho / bem montado / – a voar
Cavalgando a lufada / – quais os mitos / veloz.


Fiquei meditativo / imaginando / Deus
Contemplando a beleza / e a perfeição / sem par
De toda a natureza – / a comunhão / no ar;


Mas vi Deus pensativo / contemplando / os céus,
Olhando triste, quedo / – em mil pedaços / loucos –
Quebrarem seu brinquedo. / Restam traços,/poucos.

O RETIRANTE

Banido pela seca do sertão, fizera
Uma viagem sem volta, em busca de igualdade.
Deixando uma mulher e filhos na tapera,
Galopou no seu sonho de felicidade.


Só quando lhe caiu a última quimera,
Bateu-lhe na razão a dura realidade...
Pois que tão diferente dos seus sonhos era
O cotidiano cruel de uma grande cidade.


Sem trabalho, sem pão e sem sonhos sequer,
E tendo uma tapera, filhos e mulher,
Chorou pedindo a Deus lhe deixasse voltar;


Mesmo que fosse assim, de mãos puras, vazias,
Mesmo pra passar fome o resto dos seus dias,
Mesmo que fosse até pra nunca mais sonhar.

segunda-feira, 13 de setembro de 2010

ÁRVORE GENEALÓGICA

Eu vou tentar futucar
As gavetas da memória
E peça a peça montar
Um pouco de minha história.


Vou deixar pra meus bisnetos
Este pequeno relato,
Vou ressuscitar afetos:
De onde foi que eu vim, de fato.


Vou falar da nossa vida
Sem evitar emoção,
Pois a história pretendida
Quer falar do coração.


Já estava na eternidade
Meu avô – morreu bem moço;
Nunca tive, na verdade,
Um avô de carne e osso.


Martinho, meu avô paterno,
Dedicado professor,
Foi temente ao Deus Eterno
E ensinou com muito amor.


Minha avó, mãe de meu pai,
Eu também não conheci,
Mas ouvi-lhe a voz, seu ai,
Nas cartas dela que eu li.


Mulher muito inteligente,
Poetiza de alma pura,
De caráter forte e mente,
E de pequena estatura.


Seu ventre gerou dez filhos
Saudáveis, inteligentes,
Nunca saíram dos trilhos;
Foram boas as sementes:


Foi José Batholomeu
Que inaugurou a fileira
O primeiro a ver o céu
E o afago da parteira.


De caráter impoluto
Nas atitudes, valente,
Perspicaz e muito arguto
E de palavra fluente.


O segundo foi poeta,
Nasceu Raimundo Nonato,
Amava a rima seleta,
A boemia e o prato.


Dosanjos foi a terceira,
A mestra por excelência,
Ensinou a vida inteira
Com muito amor e paciência.


Juca Salles – um artista,
Na voz, nos gestos, no olhar,
Era um completo humorista,
Oralista lapidar.


A seguir vem Marieta:
Também muito inteligente,
Se usava pouco a caneta,
Usava de sobra a mente.


Antônio nasce perfeito,
O mais baixinho dos varões,
Doutor nas leis do direito
E na língua de Camões.


Fecunda, Dona Etelvina,
Ganhou, de mimo, outra vida,
Foi chamada, essa menina,
Carinhosamente Gaída.


Vem Francisco na seqüência,
Que virou Padre bem cedo,
Já mostrava essa tendência
Desde os tempos do brinquedo.


E como se não bastasse
Minha avó pare outra vez
E a alegria põe na face
De Maria das Mercês.


E por fim nasce um arauto
Do direito, sem desdouro,
O nome dele é Adaucto,
Fechou com chave de ouro.


          ****


Não falo do meu avô
Materno, também pudera:
Nunca soube ele, quem sou,
E nem eu quem ele era.


Conheci vovó Josefa
Por ela tive ternura
Não lhe foi fácil a tarefa
De viver, morreu sem cura.


Foi também muito prolífera,
(Naquele tempo era assim)
Como árvore frutífera
Que dá fruto até o fim:


Eduardo, de fala mansa,
Meu tio de alta estatura,
Guardo dele na lembrança
Um caráter sem censura.


Conhecida por Das Dores,
Mas para mim Tia Nene,
Entre os meus grandes amores
Teve o seu lugar perene.


Tia Odete uma pessoa
Que viveu seus maus momentos,
Foi alegre e sempre boa,
Apesar dos sofrimentos.


Minha mãe, Maria Helena,
Era por todos amada.
Morreu tão cedo, que pena!
Minh´alma ficou marcada.


Tia Lulu, a mais nova,
Co’os sobrinhos se confundia
Era alegre como a trova,
E as costuras que fazia.


Vermelho da cor de cedro,
Como as espigas de milho
Espigado, meu tio Pedro,
Teve mais de vinte filhos.


          ****


O primeiro de Etelvina
Pela quarta de Josefa,
Se apaixona – ela menina,
Conquistá-la – eis a tarefa.


Mas o tempo foi passando,
A menina foi crescendo,
O rapaz se insinuando,
A menina foi cedendo.


Nasce então um grande amor
Que o casamento acolheu
Helena – uma linda flor –
Com José Bartholomeu.


          ****
A segunda geração
Sem mais demoras começa
E foi Lázaro, então,
O primeiro ator da peça.


Mas não teve muita sorte,
Ou até teve, quem sabe?
É melhor que venha a morte
Antes que a vida desabe.


Logo depois vem Rodrigo,
Esse segundo vingou,
Mas não foi feliz consigo
E a vida lhe desabou.


Nasce Raymundo – o mais feio,
E o menos inteligente,
Mas nunca teve receio,
Teve fé em Deus, é crente.


Nasce em seguida Etelvina,
Morreu tão cedo, por quê?
Não chegou a ser menina
Morreu ainda um bebê,


Não sei se era noite ou dia,
Mas minha mãe deu à luz
Linda menina – Maria,
Nome da mãe de Jesus.


A um ano ou pouco mais
A tristeza inominável
E as conseqüências fatais:
De uma moléstia incurável,


Muito grávida, adoece
Minha mãe, jovem ainda.
Quando ao parir, desfalece,
Morrem ela e a menina.


Parece o mundo caiu
Sobre os ombros de meu pai,
Foi tanta dor que sentiu,
Que ele também quase vai.


Mas o tempo, esse remédio,
Que cura todos males,
Curou, pouco a pouco, o tédio
Da alma de Zezinho Salles.


Depois de alguns anos, triste,
A si mesmo ele promete
Levantar-se, pôr-se em riste,
Pelos encantos de Dete.


E novo dia alvorece
Na vida de seu Zezinho
Que a Bernadeth oferece
Seu amor e o seu carinho.


Sete filhos são gerados
Dessa bendita união;
Primeira dos alistados
Maria da Conceição.


O segundo é um varão,
Cabra muito inteligente
Meu amigo, meu irmão,
É Geraldo, boa gente.


Nasce agora outra menina
Gente também muito boa,
É a segunda Etelvina,
Casou-se com Zé Pessoa.


Em seguida vem Amaro
Atilado, perspicaz,
Negociante de faro.
Teve uma vida fugaz.


Tantos filhos tendo feito,
Como meu pai, poucos vi,
Não se deu por satisfeito,
E pôs no mundo Davi.


Solidário, generoso,
“Cabra bom nosso Davi,
Ah! Ficaria orgulhoso
Meu pai se voltasse aqui.


Por falta de prevenção,
Contudo pra nosso gáudio,
Nos veio à luz outro irmão
Que batizamos de Cláudio.


Chegou-lhe ao fim sua vida,
O câncer lhe surpreendeu,
Quase assistiu-lhe a partida,
José, que depois nasceu.


Um bom menino, sem máculas,
Hoje já é homem feito,
Formado em letras vernáculas
E é bacharel em direito.


E com José se completa
A terceira geração
Mas para atingir a meta,
Prossigo na narração:


A partir de mim, que faço
Essa xucra narrativa,
Vou inserir nesse espaço
Uma só alternativa:


E como tudo começa
Com muito amor e atração
Não foi diferente essa
Abençoada união.


          ****


Raymundo, de seu Zezinho,
Se apaixona loucamente
Por Sônia, de seu Tavinho,
E se casam finalmente.


Dessa união nasce a mais linda
Das meninas da Bahia...
Ah, quanto me lembro ainda!
Uma flor – Rosamaria.


E a prole teve a frequência,
Normal nos tempos de outrora,
Naquele tempo a ciência
Não tinha os truques de agora.


Nasce o primeiro varão
Meu Tito, belo rapaz,
Bom filho, bom cidadão
E dele Deus se compraz.


Na sequência um pregador
Com o mesmo nome do Velho,
Ele sai pregando o amor
E as novas do Evangelho.


Em Marcos, meu quarto filho,
Vi a mão de Deus pousando
E ao derramar o seu brilho
Sua luz o transformando.


Foi pra longe, além da conta,
Paulo, em busca do ideal;
Fiquei segurando a ponta
Do cordão umbilical


No meu mundo, vida a fora,
Deus operou maravilhas
E aumentou, com cada nora,
O meu número de filhas.


São mulheres virtuosas,
Meus filhos são felizardos,
Conseguiram colher rosas,
Que nunca tiveram cardos.


E como eu já esperava
Com esta idade que já estou,
A turma que não brincava
Foi me fazendo vovô:


            ****
Rosa põe à luz do sol
O primeiro dos meus netos;
Gustavo encabeça o rol
Desses meus novos afetos.


É Polly que nasce agora,
Um novo e lindo arrebol,
Ela traz a luz da aurora,
E a alegria de um sol;


É como o ruflar de asa
Um riso nos lábios seus,
Enche de sons nossa casa;
Que riso! Graças a Deus.


Ao sopro leve da brisa
Uma cegonha encantada
Aterrissa com Luisa
Numa fresca madrugada.


E Tito põe mais um elo
Nessa corrente de amor
Tal qual o pai é Marcelo
Sem tirar, sem nada pôr.


Mariana foi Deus quem trouxe,
E perdão pedindo estou,
Se não pude ser pai doce
Como deve ser o avô.


Espero que o mal que fiz
Não tenha feito bem feito
E que o bem que sempre quis
O tenha feito direito.


Daniel ainda lactente,
Por incrível que pareça,
Não tirava o gol da mente,
Nem a bola na cabeça.


Bem aplicado na escola
Descobriu novo conceito,
Mesmo gostando da bola,
Pretende estudar Direito.


E de Andréa com Mundinho
Nasce Lucas – um varão –
Se dantes era baixinho,
Hoje um belo rapagão.


Nos estudos concentrado,
Às ciências se destina
O vejo predestinado
A estudar Medicina


Luciana é um primor,
Também filha de Mundinho,
Mundinho, aquele pastor,
Que tem todo meu carinho.


Vai chegando o nono neto,
Alvo de nossa atenção,
Risonho, lindo e dileto,
Filho de Marcos – João.


Como sol de uma alvorada,
Como as primícias do dia,
Alegre qual passarada,
João Marcos é alegria.


E não parou por ai,
Já se espera gente nova
Quando chegar por aqui
Vai me inspirar outra trova.


Lavínia, preste atenção,
Você que vem a caminho,
Não vai faltar coração
Pra colocar o seu ninho.


Meus amores meus afetos,
Para fazer outra estrofe,
Que nos cheguem os bisnetos
Antes que eu morra ou que mofe.

domingo, 12 de setembro de 2010

A MÚSICA DA VIDA

Ao dedilhar a música da vida,
Neste velho instrumento empoeirado,
Ouço da infância, o som leve e dourado,
Que acorda cada corda envelhecida.

Trazendo o novo em som desafinado,
Logo depois, intrépida, atrevida,
Julgo escutar a voz bem percutida
Do moço – afoito, belo, iluminado!

E o tempo vai passando e eu vou tocando,
Imerso no meu sonho, delirando!...
Chego a sorrir na pauta percorrida;

Mas desperto ao final e me surpreendo,
Porque eu estou me ouvindo e estou me vendo
Tocando a marcha fúnebre da vida.

SANTAS DIFERENÇAS

                De um velho anel de bronze azinhavrado,

                ao diamante incrustado..


São tantas e as conheço tanto e tanto...
As nossas diferenças – sei de cor;
Que não foram capazes, entretanto,
De arrefecer das chamas o esplendor.


A mesmice sugere o desencanto;
Diferenças aquecem – dão calor...
Pode a primeira nos levar ao pranto
Deve a segunda revelar o amor.


Então, perfeita a nossa convivência
De – juntos – quatro décadas de essências
Que foram misturadas e se trocam.


São desiguais as notas que se harpejam,
São diferentes os lábios que se beijam
E nós somos extremos que se tocam.





"Posso todas as coisas naquele que me fortalece"