sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

A PORÇÃO QUE BASTA

A língua cálida do sol lambe meu quarto
Quando desperta alegre a luz clara do dia,
Refeito do cansaço eu me levanto e parto
Para o trabalho diário – a santa correria;

Tomo um gostoso banho numa ducha fria,
Confesso a Deus minhas ânsias, com Ele as reparto;
Barbeio-me ao espelho e canto de alegria,
Pois na mesa me espera um café bom e farto.

Quanta ventura eu tenho!... Quanta! E quanta graça!...
O café da manhã... A ducha fria... Um teto...
Na mesa muitos pratos, e o meu predileto!

Mas em volta de mim... Quanta gente que passa
Pedindo servilmente um pedaço de pão!...
E olhe que a todos Deus deu a mesma porção.

CASMURRO

Fechado em si, jogou a chave fora,
Pra não tentar consigo mesmo abrir-se;
De olhar quase gelado, ao consumir-se,
Nem mesmo empalidece, ou mesmo cora.

Nunca se sabe o que não gosta ou adora;
A tez é macilenta, a confundir-se –
Mesmo a chorar ou até mesmo a rir-se –
Com a face cuja alma foi-se embora.

Num túmulo ou sarcófago ele guarda
Envolta e abscôndita , sua alma
Com a mais inconfessável das paixões;

E por mais que lá dentro a dor lhe arda
Conserva na aparência a fria calma,
A calma enganadora dos vulcões.

EXTREMOS

A mocidade é como a luz, brilha e clareia;
Como a fogueira em chamas que crepita e arde;
A mocidade é como o sol, luz e incendeia;
É grito, é alvoroço, é movimento, é alarde.

Mas a velhice, não, é como um fim de tarde,
Presa fácil da noite que a enreda e enteia,
E que, sem pena a traga, a escuridão covarde.
Ah! Se ao menos tivesse a luz da lua cheia!

Uma folha caindo murcha e ressecada
É a esperança do velho, exânime, cansada,
Ao sopro extenuado e exangue de seu sonho.

É seiva a vida, é flor o sonho – esse colosso –
E o fruto sazonado é a esperança do moço;
Aos pés da juventude eu me prostro e me ponho.

A ENCHENTE DO MEU RIO

Amanheceu chovendo em Santo Amaro,
O dia ficou feio, a noite fria,
Deixou-me um gosto de tristeza raro
E funda sensação de nostalgia.

O fantasma da enchente ronda e espia,
Exacerba-me o medo e o desamparo,
E apavorado fico de vigia
Olhando o parvo rio, barrento e caro.

Mas ele cresce palmo a palmo e avança,
No seu dorso, violento agora, dança
Tudo que a correnteza alcança e arrasta;

E clama, e apavorado fica, o povo,
Até que se ouve a voz de Deus de novo
Dizer ao nosso rio querido: basta!

PIRRAÇA

Nunca mais fez um verso, nunca mais!...
Já deve ter perdido a inspiração!...
Olhando a lua já não foi capaz
De fazer, como outrora, uma canção.

Das coisas belas já nem vê sinais,
Pressente, ao por do sol, a escuridão,
Olhando as cores – as enxerga iguais
E o seu lirismo já perdeu a unção;

Romântico que foi vendo as manhãs –
As portas de cristal de um paraíso –,
E vendo em tudo um bosquejar de riso...

Hoje, depois que o tempo deu-lhe as cãs,
Tirou-lhe o sal, tirou-lhe o doce e a graça,
E deixou-lhe o viver, só por pirraça.

PERDÃO

Se alguém quiser fazer-te um mal, não deixes,
Se para tanto força te bastar;
Mas não guardes rancor e nem te vexes,
Que o coração foi feito para amar.

Enche-o de amor e multiplica os peixes,
Que as tuas mãos hão de saber doar,
Levando-os sempre às porções e aos feixes
Aos que só têm pedras para dar.

Já quase a perecer de dor, Jesus,
Pregado no madeiro de uma cruz,
Pediu que perdoasse aos malfeitores.

Que custa, a nós que nem sofremos tanto,
Das faces enxugar a dor e o pranto
E perdoar aos nossos devedores?

sábado, 8 de janeiro de 2011

INSÔNIA

São poucas, são pouquíssimas, são raras
As insônias nas minhas madrugadas;
Trazem-me luz a luzes apagadas,
Por isso mesmo elas me são tão caras.

Não maldigas, insones, nas caladas,
Não nas chames de tristes nem de amaras,
Tais horas, que nos dando idéias claras
Trazem-nos soluções inusitadas.

São quase sempre muito mais danosos
( Sem se falar na perda irreparável )
Certos cochilos em dias luminosos...

A insônia não é tão abominável...
Ela nos traz os versos mais formosos...
Bendita sejas tu, oh! insônia amável!

EU VEJO DEUS

Na imensidão do mar eu vejo Deus

Eu vejo Deus na vastidão dos céus

Na pureza da flor

Numa gota de orvalho

Num grão de areia

Eu vejo

Deus

Mas no homem eu vejo Deus e o diabo.

LÁGRIMAS

Como se fossem pérola, saíam
Lágrimas doloridas dos seus olhos
E pelas faces negras escorriam
Como se fossem rios lavando escolhos.

Trêmulos os seus lábios refletiam
A intensa dor contida em seus refolhos
Olhando as esperanças que se iam
Como se joio – requeimado aos molhos.

Todos os seus desejos e quimeras
Como se fossem lixo, eram jogados
Às garras dos abutres e das feras

E aqueles olhos tristes e humilhados,
Passadas tantas décadas e eras,
Ainda hoje os vejo marejados.

O PISTOLEIRO

                          A Virgílio Pacheco


Novembro, nove do mês,
Primavera ainda plena,
Do ano dois mil e três
Fez anos Virgílio Sena.

D. Rita, por sua vez,
Carinhosa, calma e serena,
Convidou, de uma centena,
Alguns amigos. Talvez

Por saber o grande afeto
Que goza do grupo inteiro
Esse amigo tão dileto

Carregado de emoção,
Destemido pistoleiro,
Cuja arma é o coração.

UMA FIGURA SINGULAR

                         A Nilson Guidez



Esta singular figura
De que falo, nunca peca;
Nem no trato, nem na beca,
Nunca perde a compostura.

É a mais luzente careca
Deste grupo que me atura;
E tendo a maior cintura
Ele andou de ceca em meca.

Morando em Copacabana,
Cuja beleza do Morro
Não lhe atrai e nem lhe engana,

Vem deleitar-se, não raro,
Como quem pede socorro,
Com as coisas de Santo Amaro.





"Posso todas as coisas naquele que me fortalece"